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MI CASA... SU CASA...

"Toda noite de insônia / Eu penso em te escrever... // Escrever uma carta definitiva / Que não dê alternativa pra quem lê... // Te chamar de carta fora do baralho / Descartar, embaralhar você..."

domingo, 1 de dezembro de 2013

ᴛʀᴇᴢᴇ ᴅᴏsᴇs ᴅᴇ ᴄɪúᴍᴇs ᴇ ᴅᴇ ᴄɪᴄᴜᴛᴀ

A música não entorpece como deveria. O mundo ainda passa veloz. Numa velocidade que não é mais permitida. Você perde a vergonha, o pudor. Você perde os sonhos e rouba aqueles que foram perdidos por outras pessoas. Você perde o sorriso. Mas não perde a si mesmo nem por um segundo, e a sensação apavorante de não encontrar a necessária válvula de escape é corrosiva.

Você assiste tudo como um filme em que os personagens principais são desprezíveis. E se pergunta porque não desliga tudo e vai embora. Tira o filme do aparelho; deixa a sala de cinema... Mas você quer saber o que acontece com os figurantes. Porque um deles é você, fazendo sombra no olhar distante do mocinho que nem deveria ser chamado assim.

Porque o filme não é ruim. Tem uma história densa a ponto de você desejar tê-la escrito. E o enredo é mais seu do que de qualquer outro. Você devia protagonizar a obra, mas escolheram pessoas vazias para preenchê-la. Primeira dose de ciúme.


As palavras no livro parecem não fazer sentido. As frases são desconexas como tudo o que foi dito na última discussão. E, ao unir tudo - do livro e do amor - você vê que nenhuma das palavras a encontrou como destino. E não encontrar continua doendo. Você preferia se perder. A sensação de não existir é fantasmagórica. E você nem crê em fantasmas.

Lá fora, a chuva faz moradia nos buracos da calçada. Crianças pulam felizes nas poças, e você começa a se lembrar de um passado que nunca esteve tão distante. Recorda o riso solto, as esperanças vãs. Em vão. Porque essa felicidade não voltará embrulhada como um presente. Nem como um futuro.

E no fim dessa memória perdida, surge aquilo que parecia real. E que é ou foi. Mas que não lhe pertence. Que não fará de você a poça da chuva. Não casa. Não lar. Só a segunda dose de ciúme.


A roupa não cabe. Ficou pequena diante de tanto vazio. A moldura do rosto já não embeleza o quadro. Trocar não convém. Porque não faz sentido ser algo pra alguém que não vem. O perfume se espalha pelo quarto; os olhos pairando agora nos estilhaços de vidro ao rodapé da parede. Parabéns, você existe novamente. O odor se impregna, fazendo de você recipiente.

Mas ninguém te quer remetente. Ninguém te quer destinatário. O ator naquele filme - aquele mesmo - não se importa com seu nome; o personagem te despreza em igual medida. E você sangra, não literalmente. Você sangra aquele perfume caro, o álcool ardendo as feridas.

Lave-se de leve. Leve-se de love. Deixe que entre pelos poros, como a voz do cantor naquela música que adora. E desfruta da terceira dose de ciúme.


A música agora acalma. Faz o que devia fazer. O mundo já parece rodar bem mais devagar e você se permite divagar. As três doses parecem ter efeito, e você não sente dor ou desamor. Então dança. Em chamas, como se houvesse um fogo queimando dentro de si. Aos poucos, cinzas...

Volte pra dentro (da casa e de si mesma) e pegue o lápis da sua cor favorita. Colora-se. Desenhe os contornos que perdeu, de acordo com sua simples vontade. Ponha cor e forma no vestido. Coloque um sorriso novo no rosto e se coloque em um balão a voar.

Lá de cima, veja um pontinho sem cor: jogue-lhe tinta. Você vai ver que não vai funcionar. Ele se mantém cinzento e opaco, mesmo distante de tanto brilho que lhe confere. Mas outra pessoa o irá colorir. Enquanto você se delicia com a quarta dose de ciúme.


O balão não está mais no ar. Nem o perfume que te motivou. Você anoiteou, como o azul que escolheu anteriormente para o vestido. Dorme. Sonha os seus sonhos e seus pesadelos. E, se quiser, empresto-lhe também os meus. 

Você ouve cada palavra com mais cuidado do que antes. Lê os lábios do outro, enquanto o ouve falar, na tentativa de vê-lo fraquejar e mudar de ideia. Agora, é difícil confiar simplesmente. O medo lhe toma nos braços e, como não há outros braços a lhe acolher, você se encolhe nestes.

É congelante o frio desse abraço. E você não sabe mais como se esquentar. Nenhuma outra forma senão a da bebida quente. Vá àquele bar e peça ao garçom a quinta dose de ciúme.


O copo está meio vazio. O corpo está meio vazio. Mas a mente está cheia a ponto de quase explodir. Lágrimas escorrem pelo rosto em direção ao copo que repousa carente logo abaixo. E, de repente, o copo está novamente cheio. Bebe. Bebe como se fosse a dose final daquilo que você tanto gosta. Como se fosse a sexta dose de ciúme.

E enlouqueça. Enloucresça.  Suba no balcão - se houver um - e dance aquela mesma dança que dançou mais sóbria. Verá que agora é mais fácil. Você se deixa levar pelos sons e sentidos. Porque você não dá ouvidos ao tal sexto sentido, nem procura um sentido no que não virá. Se embebede e entorpeça na música que lhe preenche. 

Vá! Corra para fora do bar, que agora isso não lhe faz mais bem. Termine o que há de fazer em casa, longe dos olhares curiosos e das mentes sagazes. Não dê assim tão fácil as respostas pelas quais lutou nas últimas horas, dias e semanas. Beba a sétima, a oitava e a nona dose.


Quando ele cruzar a porta sorrateiramente, beba o que lhe resta. A décima, décima primeira, décima segunda doses. Chorar não é opcional. Lembre-se que a mente procura um equilíbrio diante do corpo tonto. Deixe-a esvaziar e lavar o copo cheio de fracasso. 

Permita que ele fale. Que ele conteste. Que ele explique que aquilo era só um papel mal escrito. Que o livro também não era uma grande obra; que você interpretou errado. Deixe que ele interprete. E, por favor, interprete da maneira correta. Prefira o frio, pro seu próprio bem. Dispa-se do medo que há de se dissipar. Não se entregue tão fácil.

Corra novamente, mas pros braços que escolhem te acolher. E não se encolha desta vez. Se estique, se atire. Se atenha quieta por uns poucos momentos enquanto recobre a sobriedade. Descobre que aquilo te fez mais mal do que bem. Cobre-se de amor. Principalmente de amor próprio. Faça tudo como se nunca tivesse decidido se ater a simplesmente não fazer nada. Mas, por favor, esqueça a décima terceira dose. Não beba a dose de cicuta.


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