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MI CASA... SU CASA...

"Toda noite de insônia / Eu penso em te escrever... // Escrever uma carta definitiva / Que não dê alternativa pra quem lê... // Te chamar de carta fora do baralho / Descartar, embaralhar você..."

terça-feira, 9 de julho de 2019

A ridícula ideia de nunca mais te ver...


No início, a ideia era nunca mais te ver. Não ouvir nunca mais a sua voz, não sentir sua respiração no meu rosto, "desacostumar" com seu ronco. A ideia era voltar à minha vida, ao mesmo tempo em que você voltava para a sua. Era esquecer o seu sorriso - sobretudo o meio irônico que eu adorava provocar. Deixar de lado o calor da sua pele, o seu coração pulsando e o suor. No início, a ideia era fechar os olhos para a vida com a qual aprendi a sonhar. Mas agora, ver que a ideia inicial era o fim, soa incômodo demais. Silencioso demais, e eu sinto falta do barulho da sua presença.

Então eu preciso começar a falar. E eu sinto que tenho uma vida inteira pra te contar.




Eu acho improvável que, um dia, leia isto. Para você, esta ausência é pacífica. É em mim que pesa toda a presença dessa solidão. É em mim que ecoam todas as palavras que ainda emanam desse sentimento. Todos os "eu te amo" que eu ainda quero te dizer, a falta de dividir as dores e delícias do cotidiano. Amar sozinha dói, mas não me cala. E tudo que tenho dito para mim mesma precisa ser dividido agora... ainda que você recuse esse meu discurso. Ainda que as cartas sejam sempre devolvidas ao remetente. Ainda que eu me depare com os inúmeros avisos de "destinatário ausente". Talvez o tempo me ensine a me acostumar.

Eu preciso te contar sobre tudo que me lembra você. Sobre os compromissos que marquei na minha agenda, que compartilhei com você e que você prometeu que iria. Sobre a vontade crescente de conversar com você todos os dias. Da vontade de perguntar para sua mãe como você está. Do medo de descobrir que você vai bem melhor sem mim. Porque eu tenho andado descompensada. Sem saber para onde vou e, por vezes, sem me lembrar de onde vim. Tenho andado procurando você.

Só que esta busca não é fácil. Você não está nas outras pessoas, nos outros corpos ou em qualquer outra boca. Nossa conversa fácil não flui neste monólogo e outro diálogo não é suficiente. As músicas que fiz nossas não fazem mais sentido algum. Eu sinto que o tempo está passando sem que eu siga junto. O relógio parece correr enquanto eu permaneço onde você me deixou.


São 52 dias sem nenhum significado real. Nada que vá ficar quando tudo o mais acabar. Livros que não comentei com você, filmes que não assistimos juntos e todas as pequenas trivialidades que perdemos. 52 dias fingindo que está tudo bem, mas sem saber sequer o que restou a ser nutrido. Alimentando uma certeza que não cresce ou que nunca nasceu. Alimentando um fantasma, uma fantasia. Mantendo a ridícula ideia de nunca mais te ver.

A gente devia ter ido assistir "Aladdin" juntos. Acabei assistindo com um amigo qualquer, e eu fiquei pensando se você teria gostado - era algo que só eu queria ver. Você só ia por minha causa; exatamente como eu só fui assistir "Capitã Marvel" e "Os Vingadores" por você. Assim como fomos ver "Dumbo" só porque eu pedi. Este filme também deveria ter sido uma coisa nossa; outro momento que parecesse palpável mesmo dias depois. Mas foi só um modo de passar o tempo que parece estar sempre de brincadeira comigo.

Você devia ter ido comigo nas festas de família. Devia ter conhecido o meu sobrinho, assim como eu conheci o seu, e ter sido apresentado ao "menino". Parte da minha família parou de perguntar, mas para os demais eu ainda não tive coragem de dizer. As palavras tornam tudo definitivo. Um "." pode ser convertido em "...". Mas quando você colocou um "ponto final" nessa nossa história, ficou complicado eu converter em "por enquanto". Você nunca mais me procurou, e me deu a impressão de que só eu perdi alguma coisa naquele sábado à noite. Eu perdi a minha única chance.

E isso ficou muito evidente naquele casamento em que eu confirmei a sua presença. Você devia estar ao meu lado, e era pra você que eu devia ter me virado quando começou a tocar "Hedwig's Theme" para que o noivo entrasse. Você devia ter começado a cutucar minha cintura, empolgado, quando começou a tocar a música tema de "Game of Thrones" - você devia reclamar por eu não conhecer. E devia ser você me testando pra ver se eu reconhecia o tema de "O Senhor dos Anéis". Você teria sorrido instintivamente, e eu teria te amado ainda mais naquele sorriso.

Porque aquela cerimônia foi o que me doeu mais. Porque eu vi que te queria ali, ao meu lado, pela vida inteira. Porque eu senti sua falta mais do que queria admitir - muito mais do que me faz bem. E porque, pela primeira vez na vida, eu queria estar no lugar da noiva. E eu nunca estarei.


****... Cada dia a mais me soa como um dia a menos. Um encontro a menos, um sorriso a menos. Muito menos noites bem dormidas ou manhãs bem aproveitadas. E é claro que eu posso estar enganada, mas eu acho que para nós dois. Eu acho que era a sua chance também. E nós precisamos rever aquela ideia. Nós precisamos nos rever. E ficar bem.

Eu ainda quero assistir "O Rei Leão" com você.