Read around the world / Lea todo el mundo...

MI CASA... SU CASA...

"Toda noite de insônia / Eu penso em te escrever... // Escrever uma carta definitiva / Que não dê alternativa pra quem lê... // Te chamar de carta fora do baralho / Descartar, embaralhar você..."

segunda-feira, 29 de junho de 2020

"Espontânea"

Há menos de uma semana fui caracterizada como "espontânea" por alguém que eu queria que me enxergasse quando me visse. E eu, que racionalizo tudo que expresso tão emocionalmente, questionei todos os significados intrínsecos nessa palavra, porque ela não me soava boa (como se eu fosse precipitada e um pouco fugaz) e - consequentemente - eu não me senti boa o suficiente. Hoje me pergunto: "boa o suficiente para quê?"

E escrevi todos os dias. Rascunhos mal escritos sobre tudo o que eu não podia falar para ele mas que, ainda assim, precisava dividir com alguém. Tudo na ameaça fantasma daquela palavra que ousou ameaçar a veracidade de minha existência - mas era só a visão deturpada dele. Que me incomodou porque parte de mim desejou se encaixar no rótulo, e outra parte fantasiou uma realidade em que ele pudesse me descrever. Minha vida seria muito diferente se eu não camuflasse tantos sentimentos.

Então eu tive um final de semana caótico - ainda que a realidade dessa quarentena inteira já seja meio surreal. Noites de êxtase e depressão alternadas, na mistura louca de meus sentimentos que não encontravam lugar. Ele ainda é o cara que me interessou sabe-se lá exatamente por que razão? Eu ainda sou a pessoa que era quando se interessou por ele? As coisas mudam conforme a gente descobre o outro. E mudam muito mais quando a gente descobre a si mesmo.

Eu vivi um turbilhão porque tudo na minha vida é vivido assim. Eu aumento cada detalhe para explorar todas as suas faces e tirar o máximo de cada instante. Eu destrincho horas em minutos, frases completas em palavras soltas e reticências; e estudo cada um desses elementos. Eu leio coisas que não foram escritas, porque o tempo todo eu estou em busca de sensações que vão além da superficialidade. Eu quero uma vida ingente.

Então, inevitavelmente, eu sofro como se fosse a primeira vez que eu me deparo com a última vez. Como se não tomasse aquela música como um lema e não tivesse visto o fim do mundo algumas vezes e na manhã seguinte estivesse tudo bem. Meu sobrenome é intensidade e nada que eu penso tem um sentido claro. O que eu quis dizer pela manhã não é mais o bastante à noite. No escuro eu quero me mostrar ainda mais.

Lágrimas roladas, vozes alteradas, auto estima questionada e loucura acumulada. Madrugada de olhos abertos, criando a ilusão de um coração fechado - essa é a última vez. Na manhã seguinte, faço café dançando música brega polonesa que repete o diálogo da minha própria mãe: "você ficará sozinha se continuar assim". Mas eu só sei ser assim. E não, a primeira palavra que eu pensei para me descrever não foi "espontânea"; foi "imensa". Eu não consigo me diminuir para me encaixar nos planos pequenos de um cara qualquer.

Sei porque já tentei. Já desbotei um pouco as mil cores em mim, para me destacar um pouco menos. Já diminui o tom de voz e me fiz mais séria. Mas eu gosto de falar alto e sorrindo. Gosto de abraço apertado e gosto de beijos roubados. Gosto de sentir a chuva caindo, e a primeira imagem que me veio ao escrever isso foi a maravilha de dançar na neve em meio ao passeio público. Eu não gosto de nada que me tolha, que me encolha. Meus pulmões se expandem quando eu amo, porque amor me inspira. O silêncio que recebo como resposta me expira.

E eu não mereço nada que me tire o ar que me compõe, porque esse é o meu elemento. Porque eu não posso ser fixada à terra como se meus passos não fossem impulsionados pelo vento. Quando eu te rodeio, você não me ouve porque eu não estou no chão. Eu vim voando ao enxergar uma brecha, mas também é assim que eu vou. Solta, ainda que por vezes me questione se é liberdade ou solidão.

Então talvez no final você esteja certo e eu seja espontânea - eu nunca conseguiria ser artificial, mesmo que eu tentasse me moldar pra ser quem eu acho que você gostaria que eu fosse. Talvez o mulherão que, em fotos, parece explícito, não seja uma personagem - ou "meu disfarce", como recentemente tenho chamado. Talvez ela seja só a mulher selvagem em mim, começando a aparecer (admito que eu a tenho buscado). Mas eu não acho que sou uma das mulheres que correm com os lobos. Eu sempre fui uma ave.

Não canto quando presa. Não abandono o ninho enquanto ainda há algo que eu acredite que possa nascer. E, quando essas expectativas nutridas começam a crescer, eu preciso que voem comigo. E sobretudo, como a fênix, eu ressurjo das minhas próprias cinzas. Mas eu não sou mitológica, nem poderia ser o sonho de alguém.

Não são suas palavras que me dizem o que preciso saber, mas seu silêncio. E nele eu amadureço. Você não é mais meu assunto inacabado, e eu já estou pronta para ir embora.


Um comentário:

Marcela disse...

Na vida encontramos pessoas que nos veem de várias formas.Mas o mais importante não é a visão do outro, e sim, a nossa visão da gente. Mudar para que o outro goste da gente é nos diminuir e nao ser uma individualidade com personalidade. Seria ser uma outra pessoa só pra se encaixar em uma pessoa que o outro quer que sejamos. Se é pra ter a companhia de alguém que possamos ser a gente mesmo, e não uma pessoa que não conhecemos.