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MI CASA... SU CASA...

"Toda noite de insônia / Eu penso em te escrever... // Escrever uma carta definitiva / Que não dê alternativa pra quem lê... // Te chamar de carta fora do baralho / Descartar, embaralhar você..."

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Sorvete para um.

Quando se foi, veio o "luto". A perda. A negação. E eu ouvia os conselhos daquele amigo, e até concordava, tendo em mente um único pensamento: "ele está errado". O "ele" podia ser qualquer um dos dois: o amigo ou você. O que eu não queria era que o "erro" fosse o meu julgamento. E aceitar o que meu amigo dizia era admitir que eu tinha entendido tudo errado, e caído em uma armadilha. Cilada.

Com o passar do tempo, fui percebendo que meu problema foi não saber direito como reagir a um fora. Não estou acostumada a eles. Sempre fui eu quem foi embora, e - agora eu tenho até orgulho em dizer - sempre fiz questão de dizer o porquê. "Eu não vejo futuro em nós dois". "Eu não quero namorar alguém para preencher um espaço, sufocar carência". EU. Assumir que estava indo embora por decisão minha sobre o que eu queria - ou não - para a minha vida.

A raiva veio no intermédio. Veio das conversas de madrugada com o amigo cético e desconfiado. Veio dos meus medos, minhas dúvidas. Veio da facilidade de usar as frases dele pra justificar o que eu não tinha coragem de desenhar. Foi perceber que eu podia estar errada em relação a você, que minha opinião podia não fazer sentido algum, que todas as impressões que me causou podiam ser só passos estrategicamente delimitados.

Eu também já ensaiei o que falar, já sorri por conveniência. Já fiz algo que nem fazia questão, só pensando no efeito que isso poderia causar em alguém. E agora eu não me orgulho tanto, mas já fingi sentimentos na tentativa de dar tempo de sentir alguma coisa. Meu crime foi amar sempre muito pouco. E eu nem tinha percebido isso até então.

No meio de tudo, tentei negociar. Se não mais com você, comigo mesma. "Se eu fizer tal coisa, pode ser que aconteça tal coisa". Eu ensaiei muita coisa nessa época. Foram planos e conselhos ignorados, de amigos que simplesmente optaram por torcer pela minha felicidade. Mas eu ainda não sabia que já teria seguido adiante. Eu achava que você era um ponto de chegada, e não só um novo ponto de partida.

A imagem que ficou na mente é de anos atrás. Da única vez que coloquei um ponto final por mensagem, porque o receptor era mais tentador do que a ideia de ir embora. Porque eu tinha medo de ser convencida e ficar pela comodidade. Quando ele me pediu pra gente se encontrar, e ficou me enumerando motivos para seguirmos em frente juntos; enquanto eu tomava um sorvete, calada, já com minha decisão tomada. Eu nunca me arrependi.

Meu medo em relação a nos encontrarmos e discutirmos pessoalmente nunca foi chorar. Foi me ver no lugar dele, gastando tempo, saliva, paciência e esperança com alguém que já tinha decidido seguir em frente sozinho. Foi te ver, através da janela, indo embora sem olhar para trás. A ideia de que, ao relembrar desse encontro, você nunca se arrependesse. Que tivesse a mesma certeza que eu tenho ao me lembrar daquele.

Então veio a depressão. Quando me peguei pensando em você como alguém que nunca mais veria, seu sorriso como algo completamente distante, seu cheiro como um perfume que eu nunca mais tentaria distinguir. A vontade de nem sair de casa, de não encontrar ninguém nunca mais. A preguiça de conversar com os amigos, pois o assunto - mesmo que não especificamente você - iria surgir e eu só queria esquecer que existiu.

Veio a pergunta que eu estava negando: carinho ou mágoa? E, para responder, precisei balancear tudo que eu achei que teria aos 26 para 27, e que não estou sequer próxima de conseguir. Minha visão de mim na adolescência e já na fase adulta. As poucas certezas que se mantiveram. Precisei me lembrar de que meus pensamentos sobre você foram e ainda são meus - e as mágoas que ficaram também são.

Tudo bem que, aos 26, eu ainda não tenha sequer o emprego (que dirá a carreira) que sempre sonhei. Que eu ainda more com os meus pais, apesar de todas as divergências. Tudo bem que eu nunca tenha saído do país, e que o sonho da Argentina esteja tão distante quanto o de conhecer a Espanha. Não será nenhum problema que eu nunca vá à Grécia ou não conheça as pirâmides do Egito; que eu nunca encontre a "cidade perdida dos Incas".

Eu não preciso projetar meus sonhos em outra pessoa, nem apressar a vida que desenhei mas que não parece caber direito na minha. É um dia de cada vez, um pensamento por vez, um sentimento sendo aproveitado quando surgir. É a formatura de uma amiga, uma conversa que atravessa a noite, um dia pegando sol no clube, e o bronzeado que vai ficar sabe-se lá por quanto tempo.

O que eu sonhei aos 16 já era obsoleto aos 18. O que eu desejei para os 28 talvez não chegue antes dos 30. Talvez eu tenha - neste instante - que escolher um novo caminho.

Tudo bem se eu não te encontrar daqui a 15 anos.


A fase final do luto (de tudo) é a aceitação.

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