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MI CASA... SU CASA...

"Toda noite de insônia / Eu penso em te escrever... // Escrever uma carta definitiva / Que não dê alternativa pra quem lê... // Te chamar de carta fora do baralho / Descartar, embaralhar você..."

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Epílogo

Eu estou com outra pessoa agora. Alguém que provavelmente colocará fim nos meus extensos monólogos sobre amores não correspondidos ou finais avassaladores. Alguém que vai me amar incondicionalmente até o final dos meus dias, envelhecendo comigo e vendo graça nas nossas formas diferentes de contar nossa história aos nossos netos. Estou com alguém que me escolhe e, consequentemente, estou escolhendo-o também.

Estou com "outra" pessoa, como se sentisse a necessidade de dizer para um primeiro alguém que não estou mais com ele. Como se tivesse urgência em dizer "eu superei" e não tivesse superado nada. Como quem tenta peneirar água, enxugar gelo ou tantas outras gírias sobre tentar consertar o que não há conserto. Mas esse não é um texto em que tento colocar os amores num pódio ou linha de chegada. Até porque nenhum amor deveria estar num lugar acima do meu próprio.

Estou escrevendo às vésperas do meu primeiro dia dos namorados com o meu último namorado, e escrevendo sobre dúvidas e medos - porque, ao contrário do que acreditava, não era sobre amor que eu falava antes. Eu falava do que me dominava, e era essa sensação de simplesmente não saber o que fazer agora. E se antes era não saber o que fazer além do fim, hoje me pergunto o que fazer além do início. Ou eu deveria ver esse último início como o final das minhas tentativas falhas?

Fiz aniversário recentemente, numa data que deveria ser feliz mas veio melancólica. Ao lado de alguém que atropelou essa tristeza com toda a sua alegria; e eu descobri que não sei ser tão feliz assim. Porque ao final da tarde, ainda me faltava alguma coisa - como sempre pareceu faltar -; e conforme os dias foram passando, a falta pareceu ter nome. Mas eu não sei se é propriamente falta de alguém ou de uma experiência, ou simplesmente falta de quem eu era quando estávamos juntos.

Em uma conversa com uma amiga (conversa que devia ser muito mais dela do que minha) eu percebi que sinto muita falta dos diálogos. Que uma presença disfarçada de ausência (ou seria ela uma ausência disfarçada de presença) ainda era parte importante na minha vida e um dos pilares da minha construção social atual. Porque ele estava aqui quando eu precisei me reinventar, e hoje a gente ainda inventa que ele foi embora. Mentira. Quando tudo parece transbordar em mim, ele ainda é o oceano onde eu deságuo.

Só que agora eu sou afluente de outra pessoa e é para ele que eu devia chorar minhas dores. Porque deveria ser ele quem me suportasse, mas eu ainda não consigo ter essa conexão que outrora foi tão natural. Nossa ligação precisa ser construída, porque a vida não encontrou seu curso ainda e eu tenho medo de que isso também não aconteça gradativamente. Se isso não acontecer, o que será de mim quando vierem as cheias?

Eu me achava imensa até perceber que meus limites são muito menos físicos do que emocionais. Me achava lúcida até sonhar com um futuro recheado de passados. E realmente acreditava na minha racionalidade até admitir que 99% de certezas ainda podem ser menores do que 1% de possibilidades. Eu ainda posso me jogar de um precipício, ignorando o paraquedas ao meu lado.

Então talvez eu estivesse errada esse tempo todo: o amor não pode ser construído, e um relacionamento para ser construído talvez não seja baseado em amor. Amor ajuda, aumenta a vontade de fazer dar certo e nos motiva a seguir em frente. Mas a gente pode amar pessoas diferentes de maneiras diferentes, e nem sempre haverá uma base sólida o suficiente para fortalecermos um lar. A reciprocidade não deve ser apenas de um sentimento, mas das ações que vão além dele.

Eu amo o homem com quem estou agora. Mas também amo o homem com quem estive antes. Não é amor que estou discutindo desta vez. Estou questionando a reciprocidade, a entrega e - sobretudo - as escolhas. Eu ainda faria as mesmas escolhas do passado, sabendo o que sei agora? Ele as repetiria agora, depois de enfim buscar a ajuda que eu pedia para ele buscar naquela época? E, caso nossas escolhas tivessem sido diferentes naquele dia - ou repensadas em tempo hábil -, eu estaria aqui escrevendo esse texto aparentemente dividida?

Meu passado é uma porta aberta no presente - essa imensa sala de espera em que permaneço sem saber o que vem além da porta denominada "futuro". Ele me chamou para conversar - ainda nessa sala. Eu não sei para onde iremos depois dela. Eu fecho a porta ou ela se fecha sozinha? Só há espaço para dois seguirem adiante e eu insisto em fingir que não sei disso. Ainda é difícil demais não levá-lo comigo pra onde quer que eu vá.

Mas eu estou com outra pessoa agora. Ao meu lado. Andando na mesma velocidade que eu - mesmo quando a gente corre. Ele sorri pra mim mesmo quando eu choro (não sei se por otimismo ou loucura) e segura a minha mão quando eu acho que vou cair. Oferece o ombro, além dos braços, colo e coração. Ele é uma escolha segura - a escolha mais segura que eu já tive em toda a vida. Mas eu não sei se é o suficiente. Nem sei "o suficiente para quê?!".

Eu tenho amor. E acho que ele não responde todas as minhas perguntas.